PARA FAZER TEM QUE CONHECER
Chá, Vatapá e Educação
Algumas coisas eu aprendi com as experiências da vida. Um chá de erva doce me faz dormir melhor, mas tem que ser feito por infusão, nada de jogar a erva na água fervente e deixar por várias horas. Perde todas as propriedades. Também aprendi a fazer um vatapá de dar água na boca até nos melhores cozinheiros internacionais. Foi um segredo ensinado por minha avó. E só atentar para..., ah! não posso dizer, segredo é segredo!
As experiências da vida, porém, me deram sabedoria para compreender que não devo impor ao meu médico qual o melhor medicamento para dormir ou exigir o meu próprio tempero para os Chefs de cozinha nos restaurantes. Minha área profissional é a educação, é disso que realmente entendo e foi para isso que estudei, especializei-me e consequentemente escolhi como profissão.
Tenho presenciado de tempos em tempos, no exercício da minha profissão e também nas relações interpessoais, como é interessante a lógica de tentar entender de e sobre educação e fico a pensar...
Qual seria o pediatra que aceitaria recomendações de uma mãe sobre o procedimento e diagnóstico de uma referida doença?
Qual seria o engenheiro civil que acataria as opiniões de uma pessoa não qualificada nessa área sobre uma construção?
Imagine um dentista aceitando as recomendações de seu paciente quanto às técnicas utilizadas num tratamento.
E ainda... você já se imaginou orientando um juiz sobre a sentença de um julgamento?
Poderia citar outros exemplos do cotidiano, mas a minha intenção é criar esse cenário, para que possamos falar um pouco sobre educação.
Por muitas vezes tenho presenciado fatos pitorescos no dia a dia da escola. Algumas pessoas de diferentes formações acadêmicas aconselham e recomendam aos profissionais da escola diversas formas e estratégias de ensinar, sem contar as orientações sobre a dinâmica da sala de aula, estudos do meio, eventos, entre outros, geralmente sustentando a argumentação em suas experiências/anseios pessoais.
Preciso esclarecer que esse processo educativo que abarca a formação integral no campo do conhecimento requer muito estudo e competência profissional. Entender de educação não é tão fácil assim! Exige profissionalização, além de permanente estudo e atualização.
No campo da educação formal, muitas são as tendências e teorias educacionais que sustentam as práticas escolares; não é possível admitir que no “achismo” se pode elucidar e resolver questões do desenvolvimento humano, aceitando opiniões, conselhos, orientações e até sugestões de pessoas que não compreendem a complexidade da tarefa de educar no contexto escolar.
Sempre digo que o nosso país tem quase 200 milhões de técnicos de futebol, mas também digo que temos quase esse mesmo número de pedagogos, desejosos de ensinar como se deve atuar no processo educativo. Por que será que isso acontece na área da educação?
Entender a quantidade de técnicos de futebol, mesmo sem formação, não me causa tanta indignação, pois o Brasil declara sua paixão por esse esporte, mas essa mesma paixão não afeta a educação, haja vista que não existem programas sobre o assunto em horário nobre na TV, quando há é na madrugada ou no amanhecer, momento em que a maioria dos brasileiros ainda descansa. Sem contar que quando a educação é manchete nos jornais, apenas divulgam a dura realidade da maioria das escolas, os péssimos resultados nas avaliações nacionais e internacionais e raramente mostram uma experiência inusitada.
Como compreender essa realidade se temos conhecimento da importância da educação para uma nação, como dizia Paulo Freire: Se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda.
Difícil trabalho! Por isso merece um olhar mais amplo, reflexões e estudos.
Na minha profissão, como em outras, há uma exigência para a atuação profissional, concebida por uma ciência: a pedagogia. O pedagogo tem uma função reflexiva, investigativa e científica nos processos educativo e formativo e seu objeto de estudo é a educação. A história da educação teve seu início há muito tempo, não é algo novo. Vale ressaltar que o primeiro pedagogo foi Platão (427 a.C.); recebeu esse título não apenas por ter concebido um sistema educacional, mas por integrá-lo à dimensão ética e política.
De Sócrates para Platão e deste para Aristóteles, a Grécia se tornou soberana no imaginário cultural e também especificamente no pedagógico (Gadotti). Importante destacar o quanto foi longo o caminho percorrido pela educação e por seus processos até chegar ao mundo contemporâneo. A viagem no tempo nos confere valiosas contribuições para o campo educacional.
Voltando à culinária, posso lhe sugerir um chá para insônia, posso lhe passar uma receita de vatapá com o segredo da vovó, mas não posso, fora da minha área de atuação profissional, da qual não tenho argumentos contundentes e consistentes, impor minhas opiniões como se fossem verdades universais. Como afirmava Nietzche (sec.XIX), verdades e mentiras são ditas a partir do critério da utilidade e toda vez que minha arrogância fica maior que minha sensatez, penso nesse filósofo, porque como ser humano que sou, também tenho a tentação e pretensão de defender a minha verdade, em qualquer área do conhecimento, sob o jugo do senso comum.
Destaco ainda a questão do ensino-aprendizagem, processo fundamental no contexto escolar que exige profissionais habilitados e qualificados para conduzir e mediar as diferentes situações pedagógicas. Cabe aqui lembrar das licenciaturas, exigência mínima para o acesso a sala de aula, por conferir ao professor, além das especicficidades de sua área, conhecimentos da didática, metodologia de trabalho, filosofia, história e psicologia da educação, práticas de ensino, entre outros. Assim, o espaço da sala de aula só pode ser ocupado pelo aluno e por profissionais estudiosos da educação. Qualquer outro profissional que se atreva a ser professor sem entender essa ciência corre grandes riscos de descobrir que está no lugar errado e cometer erros irrepáraveis a vida de cada aluno.
Talvez pareça tarefa fácil fazer um chá, seguir a receita da minha avó, mas na primeira dificuldade que surgir, ou seja, na falta de um ingrediente, o que usar? Aí é preciso conhecimento! Assim também acontece na educação, não dá para seguir receitas, conselhos, opiniões; só o educador sabe e conhece o projeto da escola em que atua, portanto só ele pode escolher os ingredientes e percorrer os caminhos da docência.
Esses são os grandes desafios do nosso trabalho intelectual e educacional, porque educar é arte, ciência, práxis e são esses ingredientes que compõem a natureza da prática docente. Vasconcellos nos lembra que ser professor, na acepção mais genuína, é ser capaz de fazer o outro aprender, desenvolver-se criticamente. E mais: o ato de educar é complexo, por isso é imprescindível que qualquer projeto educacional de uma escola seja efetivamente planejado e executado pelas mãos do profissional da educação.
E então? Aceita um chá?
Adriana Maria Saura Vaz de Aguiar
Coordenadora Pedagógica/Colégio Antares
Ana Maria da Silva Fortes Aguiar
Diretora pedagógica/Colégio Antares
Mestres em Educação
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